Dois pesoas e duas medidas na polarização ideologica. Não há ética na luta de classes.
A tessitura histórica das punições políticas revela um padrão reiterado de silenciamento e disciplinamento dos corpos insurgentes. No Brasil, a condenação de Débora Rodrigues e a trajetória de Jacinta Passos emergem como episódios emblemáticos de uma arquitetura repressiva que se metamorfoseia ao longo das décadas, mas mantém inalterada a essência de sua funcionalidade: a neutralização do dissenso por meio da violência institucional.
Débora Rodrigues, ao inscrever na estátua do Supremo Tribunal Federal a frase “perdeu, mané”, tornou-se símbolo involuntário da polarização política contemporânea. Seu ato, embora desprovido da sofisticação intelectual que caracterizava a militância de Jacinta Passos, inscreve-se na tradição dos gestos de afronta ao establishment. A desproporcionalidade de sua condenação – 14 anos de reclusão e penalidades pecuniárias vultosas – remete a um passado de jurisprudência politicamente orientada, onde a legalidade se transfigura em instrumento de intimidação e aniquilação simbólica.
Jacinta Passos, por sua vez, viveu a contundência da repressão estatal sob outra configuração histórica. Militante comunista e poetisa engajada, viu-se progressivamente marginalizada pelo aparato autoritário que, incapaz de sufocar sua voz pela coerção direta, recorreu ao expediente da patologização. Internada sob pretextos psiquiátricos, teve sua dissidência transmutada em loucura, um mecanismo recorrente na desqualificação política de mulheres que ousaram transgredir os limites impostos pelo patriarcado e pelo conservadorismo.
O paralelo entre ambas não reside apenas na perseguição estatal, mas na forma como a resposta punitiva excede em severidade a gravidade das ações praticadas. Se, em Jacinta, a sanção se materializou na forma do confinamento manicomial – uma pena socialmente legitimada sob o discurso médico – em Débora, a pena ressurge travestida de rigor jurídico, consolidando-se como paradigma de um poder judiciário que se quer exemplarista.
No fundo, o que se evidencia é a permanência de um sistema de coerção que se vale de diferentes narrativas para enquadrar os indivíduos desafetos ao poder. No caso de Débora, a tipificação jurídica de seu ato como atentado à democracia demonstra um uso elástico da norma para fins de exemplaridade política. Em Jacinta, a reclusão psiquiátrica ilustra a instrumentalização da medicina como mecanismo de disciplinamento ideológico.
Ambas as mulheres, situadas em contextos temporais e ideológicos distintos, foram tragadas pelo mesmo ethos persecutório, onde a dissidência, em qualquer espectro político, é cerceada sob a chancela da institucionalidade. O Brasil, ao longo de sua história, revelou-se pródigo na arte de cercear corpos e silenciar vozes. Débora Rodrigues e Jacinta Passos, cada qual à sua maneira, integram essa longa linhagem de indivíduos para os quais a justiça não se apresentou como equilíbrio, mas como instrumento de vingança política.
Davi Barbosa Delmont
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