Relação da instrumentalidade, teoria e prática no Serviço Social

 
A instrumentalidade do Serviço Social é uma propriedade da profissão que possibilita o atendimento das demandas e o alcance de objetivos por meio da objetivação das intencionalidades profissionais. 

Toda práxis social é dotada de instrumentalidade, dessa forma, o trabalho, enquanto interação do homem com a natureza para a satisfação de necessidades e categoria fundante do ser social, também possui uma instrumentalidade. 

A instrumentalidade, nesse contexto, caracteriza-se como o movimento necessário para a transformação da intencionalidade e, objetivação. 
No processo de reprodução de sua existência material, ao dominarem as forças naturais, tornando sociais os objetos, os homens exercitam a natureza emancipatória desse processo. Toda postura teleológica encerra instrumentalidade, o que possibilita ao homem atribuir às coisas as propriedades verdadeiramente humanas, no intuito de que elas venham a converter-se nos instrumentos, nos meios para o alcance de suas finalidades (GUERRA, 2000b, p. 11).
A depender do contexto histórico, do modo de produção vigente e das relações de poder, a instrumentalidade do processo de trabalho assume peculiaridades que podem convergir para o processo de construção do ser humano genérico ou para a sua alienação. 

A razão instrumental é uma racionalidade subordinada e funcional: subordinada ao alcance dos fins particulares, dos resultados imediatos, e funcional às estruturas. Constitui-se num conjunto de atividades, num conjunto de funções, não se importando nem com a correção dos meios nem com a legitimidade dos fins. Por isso funcional ao capital. Subsume os atributos das coisas aos seus aspectos quantitativos. Limita-se a garantir eficácia e eficiência (GUERRA, 2000b, p. 16).
 
A instrumentalidade no serviço social se refere ao conjunto de ferramentas, métodos e técnicas que os assistentes sociais utilizam para compreender, analisar e intervir nas situações sociais que atuam. Essas ferramentas são fundamentais para que os profissionais possam desenvolver seu trabalho de forma eficaz e baseado em conhecimentos teóricos e práticos.
[..] todo processo teleológico implica o pôr de um fim e, portanto, numa consciência que põe fins. Pôr, nesse contexto, não significa, portanto, um mero elevar à consciência, como acontece com outras categorias e especialmente com a causalidade; ao contrário, aqui, com o ato de pôr, a consciência dá início a um processo real, exatamente ao processo teleológico. Assim, o pôr tem, nesse caso, um caráter irrevogavelmente ontológico. (LUKÁCS, 2013, p. 47)

A instrumentalidade no serviço social envolve a aplicação de conceitos como mediação, universalidade, questão social, singularidade e polaridade antitética. Vou explicar brevemente cada um dos conceitos desses:

Ao restringir-se à sua dimensão instrumental, o trabalho do Assistente Social não alcança um nível capaz de diferenciar-se de atividades e práticas voluntárias, assistemáticas, caritativas e/ou filantrópicas. Isso porque, para alcançar a eficácia, dentro dos parâmetros da ordem burguesa, a consciência não necessita apreender todos os nexos do processo (GUERRA, 2000b, p. 24).

Mediação: Refere-se à capacidade do assistente social de atuar como mediador entre os indivíduos e as políticas sociais, facilitando o acesso aos direitos e recursos necessários para a promoção do bem-estar e da justiça social.

A mediação é um processo que retrata a intervenção profissional do assistente social na prática, e que teve início com o movimento de reconceituação do Serviço Social, contribuindo para o resgate do debate das reflexões das mediações ontológicas, e que culminou com a consolidação do Projeto Ético-Político da profissão. A reflexão em torno da categoria de mediação traz à tona as principais determinações dialéticas da mediação, cuja concepção se caracteriza por meio da perspectiva da totalidade da realidade, ou seja, das estruturas e conjunturas pertinentes às demandas apresentadas aos profissionais. A mediação tem como objeto o ser social. GESUAS

Universalidade: Significa que o serviço social busca atender a todas as pessoas que concedem assistência, independentemente de sua condição social, econômica, étnica ou de gênero.

Questão social: Refere-se aos problemas sociais complexos e multifacetados que afetam a vida das pessoas, como pobreza, desigualdade, violência, entre outros, e que são objeto de intervenção do assistente social.

Singularidade: Reconhece que cada indivíduo é único e possui necessidades específicas.

Em síntese, o Serviço Social situa-se no processo de reprodução das relações sociais como uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e da ideologia, isto é, na criação de bases políticas para a hegemonia das classes fundamentais. Intervém, ainda, através dos serviços sociais, na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho. Por outro lado, se essas relações são antagônicas; se, apesar das iniciativas do Estado visando o controle e à atenuação dos conflitos, esses se reproduzem, o Serviço Social contribui, também, para a reprodução dessas mesmas contradições que caracterizam a sociedade capitalista.


Fonte: As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo, de Marilda Iamamoto; link para acesso: http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto2-2.pdf


Ao ser enquadrado como profissional de caráter eminentemente técnico no exercício de funções executivas, o assistente social pensa poder eximir-se da reflexão teórica in totum e fixar seu foco de preocupações no seu cotidiano profissional, para o qual os modelos analíticos e interventivos, testados e cristalizados pelas suas experiências e de outrem, são suficientes. A isso combina-se o elenco de disciplinas que se dedicam aos fatos da realidade empírica.

“Dessa forma, tal atuação é dotada de base teórica empírica, focada na rotina da realidade do atendimento cotidiano e limitada aos fatos empíricos os quais (...) supõem fornecer um quadro referencial teórico eclético, segregado em informações parciais, fragmentadas e generalizantes” (GUERRA, 2005:181).

A utilidade social de uma profissão advém das necessidade sociais. Numa ordem social constituída de duas classes fundamentais (que se dividem em camadas ou segmentos) tais necessidades, vinculadas ao capital e/ou ao trabalho, são não apenas diferentes mas antagônicas. 

Nas modalidades de intervenção que lhe são exigidas pelas demandas das classes sociais. Estas intervenções, em geral, são em nível do imediato, de natureza manipulatória, segmentadas e

desconectadas das suas determinações estruturais, apreendidas nas suas manifestações emergentes, de caráter microscópico. 

FONTE:http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf

De acordo com Chauí (2003) existe diferença entre organização e instituição, sendo que uma organização é definida: “por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define”. CHAUI, M. A Universidade Pública sob Nova Perspectiva. In Revista Brasileira de Educação. Set./Out/Nov/Dez, 2003

As três dimensões foram apontadas para superar os desafios do serviço social na atualidade, logo o assistente social deve dominar cada uma delas. E ter conhecimento que e não podem ser separadas, pois isso acarretaria numa despolitização e fragmentação,  logo retornaríamos a erros cometidos no passado histórico do serviço social. Vale mencionar que se trata de uma articulação entre teoria e pratica, investigação e intervenção, pesquisa e ação, ciência e técnica, sendo essas afirmações de Charles Toniolo  .

A relação entre as dimensões se coloca no exercício profissional da seguinte forma: teoria como instrumento de análise do real, onde ocorre a intervenção profissional (dimensão teóricometodológica), para criar estratégias e táticas de intervenção (dimensão técnico-operativa), comprometidas com um determinado projeto profissional (dimensão ético-política). à dimensão técnico-operativa, dimensão que em sua especificidade é a mais aproximada da prática profissional.

três dimensões  teórico-metodológica; a ético-política e a técnico-operativa. Essas dimensões encontram-se presentes nas diferentes expressões do exercício profissional: formativa, investigativa, organizativa e interventiva .  essas dimensões são interligadas, interdependentes, se complementam, apesar de manterem suas especificidades.

http://cress-mg.org.br/publicacoes/Home/PDF/62

http://grupotecnicas.blogspot.com.br/2011/08/tres-dimensoes.html

Chauí (2011, p.202): O próprio pensamento “elabora teorias, ou seja, uma explicação ou interpretação intelectual de um conjunto de fenômenos e significações (objetos, fatos, situações, acontecimentos), que estabelece a natureza, o valor e a verdade de tais fenômenos”

Netto (2011): A teoria é uma forma particular do conhecimento diferente do conhecimento mágico-religioso, a arte, o conhecimento prático da vida cotidiana. Mas distinguindo-se dessas formas, a sua especificidade se dá no conhecimento de um objeto (de sua estrutura e de sua dinâmica).

A prática é constitutiva e constituinte das determinações do objeto, gera produtos que constituem o mundo real, não se confunde, portanto, com teoria, mas pode ser o espaço de sua elaboração. SANTOS, 2010).

[...] o objeto pode existir sem o sujeito, mas não pode existir conhecimento sem sujeito. Aqui, ele distingue a teoria da prática, ao mesmo tempo em que assegura a unidade entre ambas e ressalta a supremacia da última. Assim, apropriar-se do concreto pelo pensamento é um ato teórico, enquanto o concreto, em si, é um ato prático que está vinculado às necessidades e às ações práticas dos homens, portanto, existe fora do pensamento (SANTOS, 2010, p. 18)

No processo do conhecimento, a teoria e a prática, como elementos de naturezas diferentes – ou, se preferirmos, como polos opostos -, se confrontam todo momento: questionam-se, negam-se e superam-se, a ponto de encontrarem uma unidade que é sempre histórica, relativa e provisória. Não obstante, a teoria e a prática mantêm sua especificidade e sua autonomia. A teoria tem que ser vista como crítica e busca dos fundamentos (FORTI e GUERRA, 2011, p.18).

“A vida cotidiana é insuprimível. Não há sociedade sem cotidianidade, não há homem sem vida cotidiana. Enquanto espaço-tempo de constituição, produção e reprodução do ser social, a vida cotidiana é ineliminável” (NETTO, 2012, p. 67).
“[...] não se desloca do histórico – antes, é um dos seus níveis constitutivos: o nível em que a reprodução social se realiza na reprodução dos indivíduos enquanto tais” (NETTO, 2012, p. 67).

“Não bastam as finalidades, é preciso vontade, conhecimento do objeto, domínio dos meios e instrumentos para conhecer, atuar e desencadear um produto final” (VÁZQUEZ, 1977, p.68)

  • Identificação entre teoria social e ciência (cujo modelo é a física e ou a matemática); 
  • Ideia de que o estatuto da profissão dependeria da adoção de uma teoria (ou ciência) própria; 
  • Compreensão de que a profissão é um ramo do saber, uma forma de conhecimento do social; 
  • Concepção de que pelo saber teórico iremos superar o conservadorismo; 
  • Visão de que a teoria irá nos fornecer as referencias prático-concretas de intervenção profissional.
  • A apropriação e utilização de um elenco de disciplinas e/ou conhecimentos sobre a realidade empírica que são equivocadamente concebidos como teorias, as quais lhe fornecem um quadro referencial eclético, segregado em informações parciais, fragmentadas, abstratas. 
  • Aproximação de teorias sociais macroscópicas, tanto as teorias sociais como de teorias da ação social, das quais se exige respostas profissionais, convertendo-as em modelos (ou métodos) de ação profissional. 
  • A apropriação do arcabouço teórico-metodológico marxiano, de um ponto de vista epistemológico, o que o tem tornado estéril frente às complexas contradições ontológicas da sociedade burguesa na contemporaneidade.

Quando se passa da universalidade teórica para as particularidades concretas e históricas, surge um conjunto de mediações que a analise teórica não pode responder. O conhecimento nos fornece a compreensão da sociedade na qual se inserem nossos objetos de intervenção, nos fornece também uma compreensão sobre estes mesmos objetos e sobre em que, quando e como intervir. Mais do que isso, a teoria incide sobre a compreensão da direção social, do significado e das implicações desse fazer. A condição de determinada teoria revelar os enigmas da realidade social é de natureza históricosocial: é necessário que os processos históricos se desenvolvam e se universalizem em termos histórico–universal a ponto de serem captados e reconhecido pela consciência. 

Daí a teoria penetra no objeto, dissolve sua aparência, busca suas relações, sua lógica constitutiva, suas mediações (particularidade histórica). Para que uma teoria explique uma dada realidade há que se ter um método enquanto uma das mediações mais importantes que se interpõe entre sujeito e objeto no processo do conhecimento. Teoria e pratica mantém sua especificidade e autonomia. A teoria tem que ser vista como a critica e a busca dos fundamentos. [...] A pratica social pode validar uma teoria em determinadas condições sócio-históricas, de modo que a teoria tem que ser reconhecida na pratica, mas não nas praticas profissionais.

A práxis compreende prática produtiva, prática política e a prática do conhecimento (ou investigativa).

Embora a teoria e o método constituam dois aspectos relativamente independentes, com formas diferentes, estão interligados e dependem um do outro.

Na produção do conhecimento em Serviço Social, é possível a utilização de teorias elaboradas sob diferentes métodos.

Outro elemento a ser pontuado na indigitada entrevista é a denúncia de que há parca produção teórica relevante sobre o exercício profissional, o que faria com que houvesse a necessidade de busca por outros referenciais teóricos. Essa perspectiva foi explicada por Forti e Guerra (2013, p. 11-12) como a recorrente inclinação à apropriação de um elenco de conhecimentos empíricos sobre a realidade “que propicia ao profissional um quadro referencial inconsistente, eclético, constituído de informações parciais fragmentadas e abstratas”. É evidente que a integração de novos conhecimentos na profissão é necessária à compreensão dos fenômenos sociais que se transformam dialeticamente na realidade. Mas o problema se situa na busca superficial por teorias que possam ser aplicadas na prática e nos forneceriam, “[...] inequivocamente, as referências prático-concretas para o exercício profissional” (FORTI; GUERRA, 2013, p. 11).

FORTI, Valéria, GUERRA, Yolanda. “Na prática a teoria é outra?”. In: FORTI, V. GUERRA, Y. (orgs.). Serviço Social: temas, textos e contextos. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

Entre a teoria e prática persiste uma relação dialética que leva o indivíduo a partir para a prática equipado com uma teoria e a praticar de acordo com essa teoria até atingir os resultados desejados. Toda teorização se dá em condições ideais, e somente na prática serão notados e colocados em evidência certos pressupostos que não podem ser identificados apenas teoricamente. Isto é, partir para a prática é como um mergulho no desconhecido. Pesquisa é o que permite a interface interativa entre teoria e prática (D´AMBROSIO, 1996, p. 79).

Concebida à luz dos fundamentos filosóficos do pragmatismo e do utilitarismo, para os quais “o significado de um conceito é determinado pelas conseqüências experimentais ou praticas de sua aplicação” (Haack, 2002:641) esta noção de teoria tem o seu valor, alcance e papel condicionados à sua capacidade de dar respostas prático-empíricas à realidade. 

A teoria de resultados é um produto típico do desenvolvimento capitalista e vincula-se a dimensão instrumental da razão que na ordem burguesa passa a ser a razão hegemônica, embora não seja o único nem o último padrão de racionalidade, como defendem os que, como nós, ainda acreditam nas possibilidades emancipatórias da razão moderna e consideram que as promessas do iluminismo ainda portam a tendência de se realizarem. Conseqüências ideológicas que daí derivam: a tendência de considerar como inútil, inoperante e impotente os pressupostos teóricos que não tenham o estatuto de responder imediatamente as exigências práticas da sociedade.

Como afirma Lukács,

 “se de fato a ciência não almeja conhecer de maneira mais adequada possível a realidade do ser em si, se não se esforça a descobrir com métodos cada vez mais aperfeiçoados novas verdades que necessariamente também são fundadas ontologicamente e que aprofundam e multiplicam os conhecimentos ontológicos, em última instância, a sua atividade se reduz a sustentar a práxis no sentido imediato. Se a ciência não pode ou, talvez, conscientemente não quer ir além deste nível, a sua atividade se transforma em uma manipulação dos fatos que interessam aos homens na prática” (1988:103).

A teoria não se gesta, não brota da pratica, mas da reflexão sobre a prática. . Tampouco a teoria produz transformações prático-materiais. O que ela transforma são percepções, concepções, elementos necessários, transforma parte da realidade, mas entre a transformação da consciência e do real são necessárias outras mediações. Isto porque o conhecimento no nível teórico não incide diretamente no nível prático-empírico das profissões.

https://www.cressrn.org.br/files/arquivos/5psf5T389obx1M5sq112.pdf

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